Chamava-se Eva, corria descalça e tinha um sonho.
Guardava-o em segredo no calor de um fruto de pele rubra. Pensava-o de longe, como se pensa uma ilha ou uma lua. Tocava-o de leve, como se fosse uma pétala, um perfume. Um dia quis partilhá-lo. Apresentou-o ao homem, sem palavras. Exibiu-o no silêncio de um gesto estendido, como quem diz: “Vê! Sinto-o carne onde se mostra pele”. Aquela dureza de corpo vivo a encher a vista, a roer o medo, atiçou nele a fome do que faltava. Dividiram entre si a vontade de serem mais. De serem pior.
A dentada rasgou o jardim. Abriu o portão. Soltou o monstro. Expulsos, com declaração de culpa, vergonha e temor, apenas levaram o fruto com que fizeram casa, sombra, amor.
Naquele instante, o tempo começou. Ainda correm, descalços, nas horas que sonham, em círculos, a tontura de um dia feliz.
sábado, 8 de março de 2008
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4 comentários:
Esta Eva-primeira, tanto bíblica como actual, está muito, muito poderosa, tal como a tua escrita. Gostei mesmo muito!
Bem bonito!!!
Esta Leonor é uma SENHORA
Tão lindo, Leonor... sobretudo a última frase.
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